Para não andarmos à procura de um Deus que afinal está no meio de nós
Por mais avassalador que seja o volume de informação que diariamente ingerimos, nunca saberemos o suficiente sobre o que se passa no mundo.
Por mais compêndios que estudemos acerca de história, ciências e artes, sempre ficará por compreender, no seu todo, o incomensurável mistério do homem.
Vamos, por isso, percebendo aos poucos que a maior parte de nós não se diz nem se explica. Mergulha no profundo lago do simbólico e na expressão nebulosa de todas as nossas perguntas lógicas sem resposta. Ou melhor: é na simplicidade última das palavras e dos gestos que dizemos o mais sublime que há em nós e no mundo.
À medida que vamos tateando esta teia do incompreensível e do indizível, na pesquisa inquieta do infinito que há dentro e fora de nós, como que vamos pressentindo a alma das pessoas numa aproximação desconcertante a Deus. Pessoa. Sem o sabermos dizer por inteiro, nem por inteiro o compreendermos. Socorremo-nos do rito, que parece estreito, emocional, impercetível e até ilógico. Mas é aí que encontramos algum conforto naquilo que queremos e não sabemos dizer.
O Natal tem dois mil anos acumulados de narrativas, expressões, culturas, adulterações, aproveitamentos. E apetece-nos, por vezes, rejeitar os adereços que cruzam pensares, dizeres e interesses alheios ao sobrenatural. Mas é nosso dever tentar, até à exaustão, descobrir os ritos que o mundo de hoje, muito fragmentariamente, oferece de simplicidade, beleza, solidariedade, compaixão, reconciliação, encontro de família, gestos de ternura, a que só falta um nome que aos cristãos compete explicitar: Jesus. O Natal tem excessos de verniz e clarões de brilho fátuo. Mas interessa potenciar e até reconverter estes signos que se escondem na aparente profanidade das manifestações sociais.
Importa ouvir esse sermão que ressoa do deserto, por outras palavras, e repete elementos essenciais da mensagem de Jesus há dois mil anos proclamada. Para não andarmos aturdidos à procura dum Deus que afinal está no meio de nós.
Título original do texto: “Natal – o discreto silêncio de Deus”
António Rego
In “Um ramo de amendoeira”, ed. Paulinas
Publicado em 07.12.2014