Juan Manuel Buergo, Presidente Geral Internacional da Sociedade de São Vicente de Paulo, foi entrevistado pelo jornal El Debate (https://www.eldebate.com/), periódico online promovido pela Associação Católica de Propagandistas, herdeira do jornal homônimo que se tornou um dos grandes diários espanhóis no primeiro terço do século XX
Álex Navajas, Madri, 28 de junho de 2025
Foi uma “vocação tardia”, porque Juan Manuel Buergo ingressou na Sociedade de São Vicente de Paulo aos 35 anos. E tomou essa decisão após uma má notícia: “Ainda era solteiro e sou filho único. Meu pai, que era militar, faleceu. Ele participava da Cáritas e da Sociedade de São Vicente de Paulo, e eu o via, desde pequeno, indo às reuniões e tudo mais.”
“Chegou um momento em que olhei para o céu e pensei: ‘Bem, quero ir para lá quando morrer.’ Mas olhava para minhas mãos e dizia: ‘Vou subir lá com as mãos vazias! O que eu fiz? Não fiz nada pelos outros!’”, recorda.
Alguns anos depois, tornou-se o 17º Presidente Geral Internacional da Sociedade de São Vicente de Paulo, uma organização gigantesca da Igreja “composta por leigos católicos que buscam crescimento pessoal e espiritual através do serviço aos que mais necessitam”, como afirma o Relatório Anual da entidade. “Nós éramos o braço secular da caridade da Igreja antes mesmo de a Cáritas nascer na Alemanha”, acrescenta Buergo.
Quando a outra grande organização assistencial da Igreja surgiu, em 1897, a Sociedade de São Vicente de Paulo já atuava havia mais de 60 anos junto aos mais pobres. “Somos uma sociedade civil, e na época a Igreja não via com bons olhos que a caridade estivesse nas mãos de leigos, pois não dependia do bispado”, explica o dirigente da Sociedade, fundada em Paris em 1833 pelo beato Antônio Frederico Ozanam.
– Isso é, de fato, bastante inovador: uma obra evangelizadora dessa magnitude iniciada por um leigo…
– … e que continua sendo conduzida por leigos. Ao longo da história tivemos nossas crises, pois a Igreja sempre quis que fôssemos uma associação privada de fiéis. Mas passamos por várias assembleias gerais e sempre mantivemos o espírito dos nossos fundadores. Eles diziam que não devíamos ter sede nas paróquias, mas sim nas universidades, nas fábricas, nas casas, onde fosse. Mas, naturalmente, acabamos estando nas paróquias, porque todos somos católicos. Não é uma sociedade católica, mas é composta por católicos.
A Cáritas, por sua vez, depende dos bispos, por isso se implantou nas paróquias.
– Mas ainda é uma das maiores organizações caritativas da Igreja.
– Sim, a Sociedade de São Vicente de Paulo está presente em 155 países. No ano passado, investimos aproximadamente 1,5 bilhão de euros. Mas, na verdade, o impacto da assistência social não é facilmente mensurável, pois há muitas ações – como a proximidade, o acompanhamento em hospitais, o apoio no luto – que não podem ser traduzidas em números.
Cada país é autônomo dentro da Sociedade; somos uma confederação. As regras e os estatutos são os mesmos, e nosso fim fundamental é a oração e a ação; no fim, é aproximar o Evangelho de quem precisa. É ver o rosto de Cristo na pessoa necessitada, como dizia nosso fundador na Espanha, Santiago de Masarnau, que foi músico – um grande músico. Ele costumava dizer que, se nos dedicarmos apenas à ajuda material, as Conferências de São Vicente de Paulo desaparecerão. Não aos olhos dos homens, mas aos olhos de Deus. Por isso, nossa função principal, nossa função última, é a ajuda espiritual. É difícil, porque quando estamos envolvidos com a ajuda material, é muito fácil se secularizar. Mas é nisso que devemos insistir. Eu, pessoalmente, insisto que não nos tornemos seculares, que tenhamos claro que nosso objetivo não é a ajuda material. Isso é um meio para o fim, que é a ajuda espiritual.
– E o senhor não acha que muitas instituições caritativas da Igreja caíram justamente nessa secularização, limitando-se ao material?
– Sim, por isso não gosto de divulgar muitos números sobre a Sociedade. Sempre digo que a maior parte da ação social não está nos números, mas sim no acompanhamento, na proximidade, na espiritualidade – aspectos que não são contabilizados. Podemos falar de pessoas: somos cerca de 2,3 milhões de voluntários em todo o mundo na Sociedade de São Vicente de Paulo. Mas é muito fácil cair no secularismo, porque o dia a dia nos consome: distribuir, alimentar… Lembro de uma conversa com um padre vicentino que me disse: “Estou há dez anos em Moçambique e não evangelizei ninguém.” Sabe? Os protestantes sim, porque entram nas casas das pessoas com a Bíblia, insistem tanto que acabam evangelizando. Nós, por outro lado, somos tão recatados… Pois essa frase ficou comigo – será que nossas ações sociais ficam só nisso ou podemos ir um pouco além? Não sei, talvez falar um pouco de Deus.
Frederico Ozanam dizia que não se pode dar esmola com sentimento de superioridade. Você tem que pedir à família que não tem nada que reze por você – esse é o maior presente que ela pode lhe devolver, muito mais do que a esmola que você oferece. Essa é a esmola que não humilha.
– O senhor chegou à Sociedade após um episódio triste da sua vida: a morte do seu pai.
– Sim, eu queria ajudar. Mas a caridade sempre foi entendida como amor ao próximo, ou ao que tem menos. Assim é a caridade na visão cristã. Bati à porta da Sociedade de São Vicente de Paulo e fui acolhido por um grupo que realmente gostava de frequentar, porque eram dez ou doze pessoas muito diversas: engenheiros, gente da rua, comerciantes. Havia um pouco de tudo, e tínhamos conversas muito interessantes sobre Deus, e depois víamos os casos das pessoas que precisavam de ajuda, e saíamos de dois em dois. Isso me enriqueceu muito.
– E aqui na Espanha, com o que os voluntários estão envolvidos?
– Atuamos com famílias, mulheres, pessoas em situação de rua, migrantes. Também com pessoas idosas. Temos alguns programas voltados para crianças e jovens, especialmente com os chamados “meninos da chave”, que andam com a chave pendurada no pescoço porque não se sabe onde estão seus pais, e chegam muito tarde em casa. Às vezes ficamos com eles em algumas escolas. Também trabalhamos com pessoas com dependência química. Estamos envolvidos no Proyecto Hombre e no acompanhamento hospitalar – apoiando pessoas doentes e sem recursos, orientando quem chega aos hospitais e não sabe para onde ir, porque são muito grandes. Estamos relançando esse trabalho em todos os hospitais da Espanha. Temos grupos de acompanhamento nas ruas. E também estamos presentes no aeroporto, com o problema recente em Barajas com as pessoas sem-teto.
Navajas, Á. (2025, 28 de junho). “Muitas ONGs da Igreja caíram na secularização, limitando-se à ajuda material” [Entrevista com Juan Manuel Buergo]. El Debate. Recuperado de: https://www.eldebate.com/religion/20250628/muchas-ong-iglesia-han-caido-secularizacion-limitarse-ayuda-material_310869.html
